Pular para o conteúdo principal

16) Ternura


Ao chegar em casa encontrei Liah, o anjo responsável pela terra, fauna, flora e Elementais deste principado (*). Apesar de não sermos tão íntimos ele era o mais próximo de um amigo que tinha por aqui.

- Hei, Liah. Tudo bem? – Estava contente em o ver antes de partir. Apertamos as mãos amigavelmente.

- Hei, Adriel. Soube que está indo para Celes. Gostaria que levasse algumas espécies novas que andei coletando. Pode ser?

- Claro. O que quiser. – Ele estava sempre em busca de mutações genéticas em plantas que enviava para estudo de nosso grupo de cientistas.

- Obrigado. E você? Qual o motivo da viagem? Aconteceu algo novo? – Provavelmente estava se referindo ao meu trabalho.

- Não. Estamos naquela fase de calmaria que antecede as grandes tempestades e quero aproveitar para desintoxicar um pouco enquanto ainda posso. – Seria bom falar com alguém sobre Maise, mas ele entenderia?

- Está pesando?

- Um pouco. Tenho andado meio confuso com alguns sentimentos e penso que possa ser por conta da influência das energias da Terra que absorvo. – Deveria continuar?

- Posso ajudar em algo? – Ele tinha o semblante inalterado, mas poderia jurar que estava intrigado, pois eu jamais reclamara de estar confuso e menos ainda de sentimentos.

Pensei um breve instante antes de decidir continuar. Pela proximidade com a Terra ele estava em condições de entender melhor do que qualquer um em Celes ou na Terra. Encaminhamo-nos à sala e após nos sentarmos, contei sobre Maise e tudo o que vinha sentindo desde que a conhecera.

- Adriel, você está apaixonado! – Exclamou e sinceramente não entendi o motivo de seu sorriso de contentamento.

- Liah, não sou um humano, sujeito a estes sentimentos limitados. Ultrapassamos esta fase do amor individual e amamos igualmente todos os seres viventes. Você sabe disto. Então, como posso estar apaixonado?

- Você nunca teve uma alma com a qual se identificasse? Em toda sua vida, não houve ou há alguém?

- Não. Ao menos não me recordo. Quase todos em minha família têm um par, mas são relações antigas, que se estreitaram e fortaleceram através de diversas vidas. Não conheço nenhum anjo que tenha “se apaixonado” de repente.

- Exceto...

- É verdade. Alguns anjos da guarda se apaixonam pelos seus protegidos, mas é diferente. Primeiramente existe uma razão para estarem nesta posição. Normalmente são laços antigos já. E, além disto, o sentimento nasce após um período de observação e convivência. É bem diferente de meu caso.

- Hummm... Será? Quem garante que os laços entre você e esta moça não sejam antigos também. E que apenas estejam agora se reconhecendo, mesmo sem a lembrança total? – Liah estava pensativo.

- Não. Lógico que não. Minha memória não tem travas. Se não me recordo de alguém, não é porque a lembrança esteja bloqueada e sim porque não houve ninguém importante. Sei disto!

- Bom. Supondo que seja verdade, resta a possibilidade de serem espíritos afins. Não têm uma estória comum porque ainda não tinham se encontrado, mas se a afinidade existe, basta que estejam próximos para se reconhecerem. – Concluiu.

- Enfim, isto não importa realmente. A questão é que não tem como. Não é possível! Sou um anjo e ela uma humana.

- E você não pode fazer como os outros, desistir da imortalidade e descer para viver com ela como humano? Você gosta tanto da Terra e dos humanos, não creio que seria tão grande sacrifício para você. – Liah estava certo nesta questão, mas não nas outras.

- Bom, supondo que ela também estivesse apaixonada por mim e não tenho a menor informação sobre isto e que depois de algum tempo quiséssemos isto, você sabe do meu trabalho como Caçador de Demônios. Sou talvez o único anjo que nunca poderá voltar a ser humano. Não duraria nada. Os demônios me encontrariam quase que imediatamente e não poderia me defender sem meus poderes celestes. Seria massacrado em instantes ou aprisionado, torturado e nem sei mais o quê. O pior não é isto e sim que mesmo continuando anjo, se me envolver com Maise e eles ficarem sabendo vão atacá-la para me atingir. Entende porque é impossível?

Continuamos conversando ainda por um tempo. Liah tentava argumentar, procurar soluções, mas o que? Não via solução. Aquele sentimento era fruto de um sonho, uma fantasia que jamais poderia se tornar realidade. Era apenas a voz de minha solidão e do desejo de ter alguém como todos de minha família. Alguém com quem pudesse conversar ou até ficar quieto, mas que estivesse ali, comigo.

Estávamos já nos despedindo quando ouvi claramente a voz de Maise em minha mente.

- Adriel!!! Socorro!!!


- Maise! – Mal disse isto e já estava voando pelas portas da sala, em direção à varanda e à sua casa. Nem expliquei à Liah e muito menos vi o sorriso de compreensão que surgiu em seu rosto.

Cheguei em instantes na sua casa, voando o mais rápido que pude. Onde ela estava? A casa estava aberta e vazia.

- Maise! Onde está? – Gritei em todas as direções, preocupado.

“Por favor, chame novamente.” - Eu teria chegado tarde demais?

– Adriel!!! Socorro!!! – Vinha do oeste. Segui para aquela direção, mas ainda não a via.

- Maise! Onde está? Fale mais! – Gritei novamente, esperando que ouvisse e respondesse.

- Aqui Adriel! Olhe para cima! Depressa! – Olhei para o topo da imensa árvore e gelei. Ela estava pendurada apenas por uma mão em um dos galhos mais altos.

Voei até ela no exato instante em que caiu e a peguei já no ar, despencando. Ela se agarrou em mim, chorando e tremendo.

- Adriel! Ah, Adriel! Você ouviu! Você veio! Obrigada!

E me agarrou ainda mais, seus dedos prensados tão firmemente em minha camisa que já deveria tê-la perfurado. Seu rosto estava todo ferido e sangrando. Suas mãos e pernas também estavam com machucados. O que teria ocorrido ali?

- Tudo bem. Acabou. Você está salva. Nada mais vai acontecer. Fique tranqüila. Acabou.

- Adriel, foi horrível! Tinha um gatinho e fui tirar ele de lá, mas não era um gatinho. Era uma bruxa! Ela me odeia! Vi no seu olhar. Ela queria que eu caísse e morresse. E teria morrido se não fosse por você!

Do que ela estava falando? Gatinho, bruxa? Não havia gatos aqui. Eles evitavam nossa região. E bruxas? Como assim? Será que ela estava em choque? Delirando?

Depois pensaria nisto. Estava chegando em casa já. Ela precisava tomar algo para se acalmar primeiro.

- Calma, querida. Depois me conta tudo, está bem? Pense que está comigo, a salvo e segura. Nada mais vai acontecer. Fique tranqüila. Passou. Acabou.

Entrei pela mesma porta e Liah ainda estava lá, sentado, aguardando. Passei por ele rapidamente a caminho do quarto de hóspedes e disse:

- Ela está ferida. Pode, por favor, chamar Tana? Depois nos falamos. – Tana era uma espécie de governanta de minha casa. E fada. Ao me lembrar disto, voltei e emendei: - Como humana, diga-lhe – Por hoje já bastava uma bruxa e me ver voando para Maise.

Entrei no quarto e a coloquei com cuidado na cama. Ao menos tentei. Não consegui desgrudar seus dedos de minha camisa. Ela ainda chorava e tremia muito. Sem outra opção, encostei-me na cama com ela ao colo.

- Tudo bem, pequena. Tudo bem. Relaxe. – Fiquei repetindo estas palavras, enquanto acariciava seus cabelos.

Com cuidado fui deitando-a na cama e consegui cobri-la. Aos poucos foi parando de tremer e o choro diminuindo, mas ainda não me soltava. Adormeceu com os dedos enroscados e firmes na mesma posição, prendendo-me.

Fiquei observando sua forma pequena e indefesa, cheio de ternura pelo rosto delicado, mesmo assim tão ferido.

“Quem a teria machucado? Teria já algum demônio descoberto o que eu mal conseguia admitir para mim mesmo? Teria sido por minha culpa que ela quase morrera?”

* = De acordo com a Cabala, os anjos estão organizados em 9 Hierarquias Angelicais: Serafins, Querubins, Tronos, Dominações, Potências, Virtudes, Principados, Arcanjos e Anjos. Fonte: Terra Esotérico. Liah pertence à 3a. hieraquia, Principados, acima de Anjos e Arcanjos.


Texto registrado no Literar

Versão simples para impressão ou leitura posterior aqui.

Imagem: encontrada na net sem indicação de autoria

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

(Dragon Quest IX) Críticas, primeiras impressões, detonados e minha breve vida como anjinho.

À primeira vista parece que nada mudou, exceto o enredo e os personagens. O traço característico de Akira Toryama, criador de Dragon Ball, é o mesmo. Ali estão as pequenas e bucólicas aldeias, os monstrinhos algo infantis, como o tradicional slime (a gota de água azul) e o Cruelcumber (pepino cruel. lol). A música, alegre e rítmica, algo pueril, também é a praticamente a mesma. A primeira impressão é de que a Square-Enix não quis arriscar e manteve tudo igual, apenas com algumas melhorias no gráfico, que é mais bem acabado, mas é apenas impressão. Conforme vou jogando as diferenças vão surgindo. O primeiro grande diferencial é no modo multiplayer que foi introduzido. Ainda não joguei porque não tenho o adaptador para conectar o DS à internet, mas está lá, à minha disposição. Este modo online foi responsável por um recorde mundial em 20/05/10, com mais de 100.000.000 de encontros no modo aleatório, em que se pode "esbarrar" em uma pessoa desconhecida que está andando próx

Jogando Final Fantasy XIII

Estou com um problema sério de inspiração e não consigo escrever nada no momento. Para ajudar, esta semana foi lançado um jogo que estava esperando à quase dois anos: Final Fantasy XIII. É um RPG para xbox360. Uma estória como as que escrevo, cheia de fantasia, de beleza, de encantamento. Estou no comando de um grupo de jovens idealistas que luta para libertar seu planeta de um governo tirano. rsrs O bem precisa derrotar o mal, não é? E está em minhas mãos. lol É para lá que vou por uns tempos. Peço desculpas pela pausa na estória, agradeço a visita e a compreensão. Abraços!

(FF XV) Capítulo 14 - 2 milhões de xp e 133 mil gil com o esquema dos Wyverns

Passei dois dias inteiros sem jogar. Mas valeu a pena, foi um Natal muito gostoso, como espero tenha sido o de todos vocês. Antes de ir, não resisti e fiz uma dungeon completa, a do Estreito de Crestholm. Não tem arma real lá. Eu queria fazer porque lá estava a quest da Cindy, O sempre ilustre Regália e também a quarta parte do mapa do Tesouro em papel. Também lá tem um Amuleto do Moogle, que concede + 20% de xp para quem o tiver equipado. Eu já tinha um. Acho que peguei nas Minas Balouve quando fui lá dar uma olhadela e saí correndo para não morrer. rs Bom, o Estreito de Crestholm é um labirinto com mobs lvl 39 e um monte de níveis. Você tem que acionar 7 mecanismos para abrir a porta final. Eu tentei seguir o esquema abaixo, do guia oficial, mas acabei me perdendo um monte de vezes e no fim deu tudo certo. lol Tem dois bosses. Uma espécie de medusa e um tipo de dragão. A medusa não dá quase trabalho e o dragão eu gostei da luta. Ela tem um efeito especial muito bon

(FF XII) Zodiac Job System e seu sistema de classes

Por André Anastácio O quadro de licenças e o Zodiac Job System Para quem não é familiar, o quadro de licenças de Final Fantasy XII é onde ocorre toda a customização sobre o que é que o personagem poderá fazer. É basicamente uma enorme árvore de talentos (semelhante ao Sphere Grid do X) no qual podemos seguir o caminho que desejamos e, dessa forma, customizar o estilo de combate de cada um dos personagens. Tudo que quisermos que um personagem tenha acesso - indo desde magias e técnicas, e até mesmo quais equipamentos ele poderá equipar - precisa ser comprado no quadro de licença antes de estar disponível para aquele personagem. A principal diferença entre o jogo base e o Zodiac Job System está justamente no quadro de licenças. Na primeira versão, existia apenas um enorme quadro disponível para cada personagem e não existia nada que limitasse o que é que os personagens poderiam ter acesso enquanto avançavam por ele. Dessa forma, ao chegar no fim do jogo seus personagens pod

Artista cria tênis de God of War digno do Deus da Guerra

Jacob Patterson é um artista que trabalha na LA Shoe Design Workshop criando tênis personalizados. Dessa vez o destaque foi a sua mais recente obra: um par inspirado em  God of War . Foi o pedido mais trabalhoso de sua carreira, mas o resultado não é menos que espetacular. Quando Stig Asmussen, diretor de God of War 3 ficou sabendo dos tênis, ele quis vê-los pessoalmente e Jacob ganhou uma visita aos estúdios da Sony Santa Monica. Ele publicou um vídeo onde entrevista o diretor do terceiro jogo e mostra todo o procedimento de criação passo a passo. Além da pintura à mão de todo o calçado, com uma grande imagem de Kratos no calcanhar e uma quantidade imensa de detalhes na frente, Jacob ainda se deu ao trabalho de criar esculturas da Blade of Chaos e prendê-las com correntes no lugar do cadarço. O toque final no trabalho foi dado com o autógrafo de Stig Asmussen. O artista comentou que no meio do processo chegou a odiar a sua obra por estar tomando tanto tempo, mas que o resul